LÚPUS ERITEMATOSO CUTÂNEO: REVISÃO DOS ASPECTOS ETIOPATOGÊNICOS, CLÍNICOS, DIAGNÓSTICOS E TERAPÊUTICOS Vale E.C.S. et al Publicação oficial da Sociedade Brasileira de Dermatologia Dermatologia Anais Brasileiros de Volume 98 Número 3 2023 www.anaisdedermatologia.org.br FI 2,113 Carcinoma de células de Merkel: epidemiologia, características clínicas, diagnóstico e tratamento de doença rara Hiperpigmentação da mucosa oral induzida pela capecitabina e associada à síndrome mão-pé – revisão de literatura Tratamento precoce de hemangioma infantil com propranolol melhora o resultado Infecção por COVID-19 e vacinas: possíveis gatilhos de reativação de vírus da família Herpesviridae Morfeia após vacina contra SARS-CoV-2 Síndrome de Blue Rubber Bleb Nevus e glomangioma múltiplo: relato de dois casos destacando a importância da histopatologia
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Volume 98. Número 3. Maio/Junho 2023 Sumário Educação Médica Continuada Carcinoma de células de Merkel: epidemiologia, características clínicas, diagnóstico e tratamento de doença rara ..... 277 Stella Meireles Siqueira, Gabriella Campos-do-Carmo, Alexssandra Lima Siqueira dos Santos, Cícero Martins, Andreia Cristina de Melo Artigo Original Análise retrospectiva da síndrome de Stewart-Treves no contexto do linfedema crônico ...................................... 287 Kun Hao, Yuguang Sun, Yan Zhu, Jianfeng Xin, Li Zhang, Bin Li, Wenbin Shen Urticária crônica espontânea pode produzir sintomas de dor neuropática? ...................................................... 296 Gülhan Gürel, Hikmet Saçmacı Hiperpigmentação da mucosa oral induzida pela capecitabina e associada à síndrome mão-pé – revisão de literatura ........ 302 Anna Danielly Almeida do Nascimento, Débora Maria Porto, Aurora Karla de Lacerda Vidal Tratamento precoce de hemangioma infantil com propranolol melhora o resultado ........................................... 310 Ana Giachetti, María Sol Díaz, Paula Boggio, María Lourdes Posadas Martínez Avaliação da relação entre enxaqueca e psoríase: estudo de caso-controle ..................................................... 316 Mohammad Sarkhani, Majid Rostami Mogaddam, Ghasem Fattahzadeh-Ardalani, Nasrin Fouladi Alto nível de expressão de homocitrulina está correlacionado com ceratose seborreica e envelhecimento da pele ...... 324 Juping Chen, Jun Liu, Zheng Wang, Jiandan Xu, Jia Tao, Hualing Li Teste sorológico ML Flow: ferramenta complementar na hanseníase .............................................................. 331 Janaína Olher Martins Montanha, Susilene Maria Tonelli Nardi, Fernanda Modesto Tolentino Binhardi, Heloisa da Silveira Paro Pedro, Milena Polotto de Santi, Vânia Del Arco Paschoal Teste de contato e eczema das mãos: estudo retrospectivo em 173 pacientes e revisão da literatura ...................... 339 Nathalie Mie Suzuki, Mariana de Figueiredo Silva Hafner, Rosana Lazzarini, Ida Alzira Gomes Duarte, John Verrinder Veasey Revisão Infecção por COVID-19 e vacinas: possíveis gatilhos de reativação de vírus da família Herpesviridae ....................... 347 Alba Navarro-Bielsa, Tamara Gracia-Cazaña, Beatriz Aldea-Manrique, Isabel Abadías-Granado, Adrián Ballano, Isabel Bernad, Yolanda Gilaberte Lúpus eritematoso cutâneo: revisão dos aspectos etiopatogênicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos .................. 355 Everton Carlos Siviero do Vale, Lucas Campos Garcia Cartas - Investigação Associação entre características clínicas e níveis plasmáticos de Hsp70 em adultos com vitiligo não segmentar: estudo transversal ......................................................................................................................... 373 Helena Zenedin Marchioro, Caio César Silva de Castro, Isabella Gizzi Jiacomini, Hélio Amante Miot Associação do polimorfi smo −160 C/A do gene CDH1 da e-caderina com suscetibilidade para desenvolver vitiligo ....... 376 David Emmanuel Kubelis-López, Natalia Aranza Zapata-Salazar, Mauricio Andrés Salinas-Santander, Celia Nohemí Sánchez-Domínguez, Jesús Antonio Morlett-Chávez, Jorge Ocampo-Candiani
O que é líquen plano penfi goide? Destaque de três casos com discussão do diagnóstico diferencial e sugestão de diretrizes de classifi cação simples ................................................................................................... 378 Reed Maggard, Donna A. Culton, Amy Blake, Paul Googe, Jayson Miedema Cartas - Caso Clínico Espiroadenocilindroma: tumor híbrido com características dermatoscópicas incomuns ....................................... 382 Ecem Bostan, Etkin Boynuyogun, Ozay Gokoz, Ibrahim Vargel Caso para diagnóstico. Malformações vasculares, hemi-hipertrofi a e macrodactilia: síndrome de Proteus ................. 384 Bárbara Elias do Carmo Barbosa, Melissa de Almeida Corrêa Alfredo, Luciana Patrícia Fernandes Abbade, Hélio Amante Miot Dermatoscopia de dermatofi bromas lipidizados ...................................................................................... 387 Tugba Kevser Uzuncakmak, Muazzez Cigdem Oba, Mehmet Sar, Zekayi Kutlubay Elevação de transaminases após sessão de MMP® com metotrexato para tratamento de alopecia areata – quanto sabemos dos riscos de absorção sistêmica da técnica? ..............................................................................................390 Bianca Lopes Nogueira, Renan Rangel Bonamigo, Renata Heck Hemangioendotelioma kaposiforme e angioma em tufos: duas entidades do mesmo espectro clínico-patológico ......... 391 Lula María Nieto-Benito, Jorge Huerta-Aragonés, Verónica Parra-Blanco, Minia Campos-Domínguez Histiocitose de células de Langerhans: caso raro de forma multissistêmica em lactente ...................................... 394 Thaís Oliveira Utiyama, Maria Laura Malzoni, Thalita Gabrieli Sanches Vasques, Cassiano Tamura Vieira Gomes Morfeia após vacina contra SARS-CoV-2 ................................................................................................ 396 Giovanni Paolino, Matteo Ricardo Di Nicola, Nathalie Rizzo, Santo Raffaele Mercuri Caso para diagnóstico. Placas infi ltradas múltiplas em paciente com coinfecção pelo vírus da imunodefi ciência humana e da hepatite C: lichen myxedematosus ............................................................................................... 398 Nathalia Hoffmann Guarda, Renan Rangel Bonamigo, Renata Heck Acne papulopustulosa infantil tratada com isotretinoína oral ...................................................................... 400 Grasielle Silva Santos, Mayra Ianhez, Hélio Amante Miot Líquen plano anular pós-COVID-19: relato de rara associação ...................................................................... 402 Laura Murari Mondadori, Helena Barbosa Lugão, Fernanda André Martins Cruz Perecin, Marco Andrey Cipriani Frade Nódulos cutâneos do sarcoma epitelioide variante distal ........................................................................... 404 Vivian Spanemberg Macuglia, Juliano Peruzzo, Ariane Bastos Geller, Renan Rangel Bonamigo Siringocistoadenoma papilífero no couro cabeludo, com apresentação linear ................................................... 406 Marina Monaco, Virginia Mariana Gonzalez, Felix Alberto Vigovich, Margarita Larralde Cartas - Dermatopatologia Síndrome de Blue Rubber Bleb Nevus e glomangioma múltiplo: relato de dois casos destacando a importância da histopatologia ........................................................................................................................... 410 Elsa Stella Mosquera-Belalcazar, Aline Alves Domingues, Alessandra Coppini, Laura Luzzatto, Ana Elisa Kiszewski Doença de Paget extramamária invasiva com metástases linfonodais e linfoma de células B de alto grau ................. 414 Misato Ueda, Makoto Omori, Ayumi Sakai Cartas - Tropical/Infectoparasitária Leishmaniose cutânea localizada mutilante por Leishmania guyanensis ......................................................... 419 Dina Fabrício da Silva, Sidharta Quercia Gadelha, Andréa de Souza Cavalcante, Rosilene Viana de Andrade, Jorge Augusto de Oliveira Guerra, Alcidarta dos Reis Gadelha Cromoblastomicose urbana: diagnóstico que não deve ser negligenciado ........................................................ 422 Jessica Lana Conceição e Silva Baka, Gabriela Giraldelli, Andrea Reis Bernardes-Engemann, Carlos Baptista Barcaui, Rosane Orofi no-Costa Correspondência Sobre a taxa de recidiva de tumores cutâneos tratados exclusivamente por cirurgia micrográfi ca .......................... 426 Luiz Eduardo Fabrício de Melo Garbers, Ana Carolina Miola, Luis Fernando Figueiredo Kopke, Hélio Amante Miot
Anais Brasileiros de Dermatologia 2023;98(3):277- 286 Anais Brasileiros de Dermatologia www.anaisdedermatologia.org.br EDUCAC¸ÃO MÉDICA CONTINUADA Carcinoma de células de Merkel: epidemiologia, características clínicas, diagnóstico e tratamento de doen¸ca rara , Stella Meireles Siqueira a,∗, Gabriella Campos-do-Carmo b, Alexssandra Lima Siqueira dos Santos a, Cícero Martins c e Andreia Cristina de Melo a a Divisão de Pesquisa Clínica, Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil b Gávea Medical Center, Rio de Janeiro, RJ, Brasil c Servi¸co de Oncologia, Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Recebido em 28 de julho de 2022; aceito em 16 de setembro de 2022 PALAVRAS-CHAVE Carcinoma de célula deMerkel; Inibidores de checkpoint imunológico; Neoplasias cutâneas; Poliomavírus das células de Merkel Resumo O carcinoma de células de Merkel é câncer de pele raro com diferencia¸cão neuroendócrina. Os fatores de risco incluem exposi¸cão solar, idade avan¸cada, imunossupressão (como pacientes transplantados, pacientes com neoplasias linfoproliferativas ou portadores do vírus HIV) e infec¸cão pelo poliomavírus de células de Merkel. Clinicamente, o carcinoma de células de Merkel aparece como placa ou nódulo cutâneo ou subcutâneo, mas o diagnóstico desse tumor raramente é feito clinicamente. Assim, a histopatologia e a imuno-histoquímica costumam ser necessárias. Tumores primários sem evidência de metástases são tratados com excisão cirúrgica completa com margens cirúrgicas apropriadas. A presen¸ca de metástase oculta em linfonodo é frequente, e a biópsia do linfonodo sentinela deve ser realizada. A radioterapia adjuvante pós-operatória aumenta o controle local do tumor. Recentemente, agentes que bloqueiam a via PD-1/PD-L1 mostraram regressões tumorais objetivas e duráveis em pacientes com neoplasias sólidas avan¸cadas. O primeiro anticorpo anti-PD-L1 usado em pacientes com carcinoma de células de Merkel foi o avelumabe, mas pembrolizumabe e nivolumabe também demonstraram eficácia. Neste artigo, o estado atual do conhecimento da epidemiologia, diagnóstico, estadiamento e as novas estratégias de tratamento sistêmico do carcinoma de células de Merkel são descritos. © 2023 Sociedade Brasileira de Dermatologia. Publicado por Elsevier Espan˜a, S.L.U. Este e´ um artigo Open Access sob uma licen¸ca CC BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/). DOI referente ao artigo: https://doi.org/10.1016/j.abd.2022.09.003 Como citar este artigo: Siqueira SM, Campos-do-Carmo G, Santos ALS, Martins C, Melo AC. Merkel cell carcinoma: epidemiology, clinical features, diagnosis and treatment of a rare disease. An Bras Dermatol. 2023;98:277- 86. Trabalho realizado no Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ∗ Autor para correspondência. E-mail: stellamsiqueira@gmail.com (S.M. Siqueira). 2666-2752/© 2023 Sociedade Brasileira de Dermatologia. Publicado por Elsevier Espan˜a, S.L.U. Este e´ um artigo Open Access sob uma licen¸ca CC BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/).
S.M. Siqueira, G. Campos-do-Carmo, A.L.S Santos et al. Introdu¸cão O carcinoma de células de Merkel (CCM) é um tipo incomum e agressivo de câncer de pele, com origem neuroendócrina,1 descrito pela primeira vez em 1972 por Toker como um carcinoma trabecular da pele.2 Desde então, o entendimento sobre sua fisiopatologia, resultados e manejo tem crescido, principalmente após as imunoterapias. Também conhecido como carcinoma neuroendócrino cutâneo primário, o CCM compartilha características com as células de Merkel da pele, justificando sua nomenclatura.3 Epidemiologia A taxa de incidência de CCM varia de acordo com as distintas regiões do mundo. Na União Europeia, entre 1995 e 2002, sua taxa de incidência anual foi de 0,13/100.000 habitantes, e mostrou-se maior nos grupos com 65 anos ou mais.4 Nos EUA, a taxa de incidência foi de 0,79/100.000 habitantes em 2011.5 Em 2013, Paulson et al. relataram que o número absoluto de CCM nos EUA foi de 2.488 casos, o que corresponde a uma taxa de incidência semelhante a 0,7/100.000 pessoas-ano.6 Maior incidência de CCM foi observada em estudo australiano, com taxa de 1,6/100.000 habitantes no estado de Queensland entre 2006 e 2010, mais frequente no sexo masculino (2,5/100.000) do que no feminino (0,9/100.000) e com expectativa de vida média de 75,5 anos para homens e 78 anos para mulheres no momento do diagnóstico.7 Embora rara, a incidência de CCM cresceu drasticamente.8 Em 2018, Paulson et al. relataram que a quantidade de casos aumentou 95% entre 2000 e 2013 nos EUA, em compara¸cão com um aumento de 57% para melanoma e 15% para todos os demais tumores sólidos.6 Na Austrália, a incidência geral de CCM aumentou em média 2,6% ao ano entre 1993 e 2010 (95%IC 1,1%-4,2%).7 O CCM é frequentemente subdiagnosticado, e acredita-se que parte de sua incidência aumentada seja decorrente de patologistas mais bem treinados e também do desenvolvimento de biomarcadores que melhoraram a detec¸cão da doen¸ca.6 No que diz respeito à epidemiologia do CCM no Brasil, Melo et al. publicaram um estudo com dados coletados dos Registros de Câncer de Base Populacional (2000-2015) e de Base Hospitalar (2000-2017). Foram analisados 881 pacientes com a doen¸ca; a maioria era do sexo feminino (51,2%), com idade maior que 60 anos (82,2%), de cor branca (67,6%) e com diagnóstico predominantemente nos estádios III ou IV (50,5%). Além disso, constatou-se que as taxas médias de incidência padronizadas por idade aumentaram significantemente em homens entre os anos de 2000 (0,31/1.000.000) e 2015 (1,21/1.000.000), com varia¸cão percentual anual de 9,4 (95%IC 4,7%-14,4%; p < 0,001). Nas mulheres, as taxas de incidência não aumentaram significantemente no período.9 Carneiro et al. avaliaram retrospectivamente 32 pacientes atendidos no Instituto Nacional de Câncer com CCM entre 2002 e 2012, e a média de idade ao diagnóstico foi de 72 anos. No entanto, diferentemente dos dados internacionais, a maioria dos pacientes era do sexo feminino (69%).10 Fatores de risco Vários estudos sugerem que múltiplos fatores podem contribuir para o desenvolvimento do CCM.7,8,11- 13 A exposi¸cão solar é importante fator de risco,13,14 corroborado pela maior incidência de CCM em regiões com maior índice de radia¸cão ultravioleta7,8 e pela maior tendência a ocorrer em áreas fotoexpostas, como região de cabe¸ca e pesco¸co.15 Lunder et al. também mostraram maior ocorrência de CCM em pacientes com história de uso de psoralenos e exposi¸cão da pele à radia¸cão ultravioleta de ondas longas.16 O CCM é mais frequente em pacientes caucasianos em compara¸cão com outras etnias.8 A imunossupressão também é fator de risco;13 portanto, o CCM é mais comum em pacientes transplantados, com diagnóstico de neoplasias linfoproliferativas (como a leucemia linfocítica crônica) ou em portadores do vírus HIV.8,14 Além disso, idade avan¸cada também é considerada fator de risco.13,15 Em uma série dos EUA, 90% de todos os pacientes com CCM estavam acima de 50 anos, 76% acima de 65 anos e 49% acima de 75 anos.8,15 Em 2008, Feng et al. descreveram pela primeira vez a associa¸cão entre um novo poliomavírus e o CCM, identificando o DNA do vírus em 8 de 10 tumores de Merkel, sugerindo que a infec¸cão viral poderia ser um evento precoce na patogênese.11 Poliomavírus associado ao carcinoma de células de Merkel A descoberta do poliomavírus associado ao CCM, em 2008, revolucionou os conhecimentos sobre a patogênese desse tumor, então denominado Merkel cell polyomavirus (MCPyV).11 A associa¸cão foi identificada usando-se técnica de subtra¸cão de transcriptoma digital, que é um método de bioinformática para detectar a presen¸ca de novos transcritos de patógenos por meio da remo¸cão computacional das sequências do hospedeiro. Então, nesse caso, sequências humanas conhecidas foram filtradas para identificar potenciais transcritos virais.3 Os casos de infec¸cão subclínica por MCPyV aumentam de acordo com a senescência, atingindo prevalência de 60% a 80% em adultos. No entanto, isso pode diferir significantemente em outras regiões geográficas, como a Austrália, onde foi relatada associa¸cão muito menor com infec¸cão viral, em torno de 25%.17 A pele constitui o maior sítio da infec¸cão viral, apesar de o vírus ter sido detectado também no sangue periférico e em outros órgãos. A infec¸cão pelo MCPyV parece ser assintomática.3 A família Polyomaviridae, a qual o MCPyV pertence, é composta por pequenos vírus de DNA dupla-hélice. Ela inclui outros poliomavírus associados com infec¸cão cutânea em humanos (poliomavírus da Tricodisplasia Spinulosa, poliomavírus humano 6 e poliomavírus humano 7) ou doen¸cas em outros órgãos e sistemas (como o vírus JC, um poliomavírus humano ubíquo que causa doen¸cas do sistema nervoso central em pacientes imunocomprometidos, incluindo leucoencefalopatia multifocal progressiva, neuropatia de células granulares e encefalopatia pelo vírus JC). Até a presente data, o MCPyV é o único oncovírus humano da 278
Anais Brasileiros de Dermatologia 2023;98(3):277- 286 família Polyomaviridae, mas o motivo desse status distinto ainda não é conhecido.3 O tipo específico de célula hospedeira para a infec¸cão por esse poliomavírus ainda permanece incerto. Acredita-se que as células de Merkel não sejam suficientemente numerosas para explicar a carga viral normalmente detectada na pele, e os monócitos no sangue periférico têm sido apontados como possível reservatório de células infectadas.3 O genoma viral epissomal apresenta regiões precoces e tardias. As primeiras têm genes que codificam proteínas responsáveis por coordenar a replica¸cão viral, enquanto as regiões tardias estão ligadas às proteínas do capsídeo viral. Parece que a integra¸cão do DNA do MCPyV no genoma do hospedeiro ocorre logo após a infec¸cão.3,18 Imuno-histoquímica, PCR, hibridiza¸cão in situ de DNA ou tecnologias de sequenciamento de nova gera¸cão são métodos disponíveis para detectar MCPyV em tumores, mas esses testes variam muito em sensibilidade e especificidade. O desenvolvimento de um anticorpo monoclonal usado para detec¸cão específica do antígeno T grande (LT) por meio da imuno-histoquímica - exclusivo para o MCPyV (o clone CM2B4) - possibilitou a detec¸cão e visualiza¸cão de MCPyVin situ. Esse método está disponível comercialmente e tem aproximadamente 88% de sensibilidade e 94% de especificidade.3 A figura 1 demonstra exemplos de resultados de imuno-histoquímica positivo e negativo para o poliomavírus de células de Merkel realizada utilizando o anticorpo anti-MCPyV large T-antigen (CM2B4). Características clínicas Clinicamente, o CCM pode se apresentar como nódulo cutâneo ou subcutâneo, e até mesmo ter aspecto cístico. A cor pode variar entre vermelho, rosa, azul, violeta ou cor da pele. Inicialmente, as lesões são geralmente indolores e solitárias, mas também podem ulcerar ou ser circundadas por lesões satélites. No diagnóstico, as dimensões podem variar em tamanho, mas costumam ser menores que 20 mm, e a maioria dos casos apresenta crescimento rápido do tumor em poucos meses (fig. 2).15 As lesões geralmente aparecem em áreas fotoexpostas, enquanto 19% aparecem nas nádegas ou em áreas minimamente expostas ao sol. Os sítios anatômicos primários mais frequentes são cabe¸ca e pesco¸co (29%), seguidos por membros inferiores (24%) e membros superiores (21%).15 Heath et al., em 2008, propuseram a regra mnemônica ‘‘AEIOU’’ (Assintomatic/lack of tenderness, Expandig rapidly, Immune suppression, Older than 50 years, and Ultraviolet exposed site) a partir da análise de 195 casos, na tentativa de auxiliar o diagnóstico. Nessa coorte, 89% dos pacientes com diagnóstico de CCM preencheram três ou mais critérios, 52% dos pacientes preencheram quatro ou mais critérios e 7% dos pacientes preencheram todos os cinco critérios.15 No momento do diagnóstico, até 37% dos pacientes apresentam doen¸ca nodal e 6%-12% apresentam-se com doen¸ca metastática.19 Cerca de 15% dos pacientes têm um linfonodo acometido pela doen¸ca sem identificar lesão cutânea, provavelmente refletindo a regressão do sítio primário.3,15 As metástases a distância aparecem com mais frequência em linfonodos não regionais, pele, ossos, pulmões e Figura 1 Imuno-histoquímica para MCPyV realizada em lâminas de carcinoma de células de Merkel. (A) Lâmina de imuno-histoquímica de paciente apresentando resultado positivo para MCPyV (aumento de 400×). (B) Lâmina de imuno- -histoquímica de paciente apresentando resultado negativo para MCPyV (aumento de 400×). pleura ou fígado e, menos comumente, pâncreas, glândulas suprarrenais, cérebro, rins, tecido subcutâneo ou músculo. Os locais raros de metástases incluem mama, trato gastrintestinal, testículos, cora¸cão, retroperitônio e peritônio.14 Diagnóstico Em decorrência da falta de características e de sintomas específicos, o diagnóstico torna-se um desafio. Assim, o exame histopatológico por patologista experiente e a colora¸cão com marcadores imuno-histoquímicos específicos são essenciais nesse processo.3 A organiza¸cão americana National Comprehensive Cancer Network (NCCN) propôs algoritmos específicos para o diagnóstico de CCM, que incluem as seguintes estratégias: 1) exame completo de pele e linfonodos; 2) biópsia para análise histopatológica e imuno-histoquímica; 3) biópsia de linfonodo sentinela (BLS) para pacientes sem linfonodos clinicamente positivos, precedendo a excisão, se possível; 4) aspira¸cão por agulha fina ou biópsia linfonodal para 279
S.M. Siqueira, G. Campos-do-Carmo, A.L.S Santos et al. Figura 2 Carcinoma de células de Merkel localizado na coxa esquerda de paciente do sexo masculino. (A) Ao diagnóstico, lesão tumoral com aspecto cupuliforme, com eritema e discreta descama¸cão. (B) Evolu¸cão do tumor com crescimento e ulcera¸cão em toda a lesão. Fonte: Cortesia da Dra. Gabriella Campos-do-Carmo. O paciente consentiu com o uso das imagens para fins educacionais. pacientes com linfonodos clinicamente positivos; considerar biópsia aberta; 5) exames de imagem para estadiamento, conforme indica¸cão clínica.14 A dermatoscopia é um exame complementar que pode ser útil em alguns casos, mas ainda faltam descri¸cões dermatoscópicas mais completas na literatura. O CCM geralmente exibe uma variedade de padrões vasculares dermatoscópicos, mais comumente áreas/glóbulos vermelho-leitosos, vasos polimórficos e vasos lineares irregulares,20 refletindo o rápido crescimento do tumor. A colora¸cão com hematoxilina & eosina revela a prolifera¸cão de pequenas células tumorais basofílicas na derme e/ou hipoderme,21 com citoplasma escasso, mitoses abundantes e grânulos citoplasmáticos densos. Células necróticas também são comuns.8,20 Exemplos da histopatologia estão representados na figura 3. A citoqueratina 20 (CK20) e marcadores neuroendócrinos, como cromogranina A, sinaptofisina, CD56, enolase neurônio-específica e neurofilamento são expressos no CCM.3,14,21 A imunopositividade paranuclear semelhante a pontos para CK20 é altamente sugestiva, enquanto os marcadores neuroendócrinos não são específicos.3 Para pacientes com linfonodos clinicamente negativos, a BLS deve ser realizada e sua taxa de positividade varia de 30% a 38%.14 Quando negativo, menor risco de recorrência,22 melhor sobrevida livre de doen¸ca (SLD) e sobrevida global (SG) são observados.14 O uso de exames de imagens para investiga¸cão diagnóstica de pacientes com CCM ainda está em discussão. O NCCN não recomenda exames de imagem em pacientes sem suspeita clínica de linfonodos acometidos. A BLS é considerada o teste mais confiável para identificar metástases em linfonodos não clinicamente suspeitos. A ressonância magnética cerebral, as tomografias computadorizadas (TC) de pesco¸co, tórax, abdome e pelve ou PET-CT são indicadas para planejamento cirúrgico ou quando houver suspeita de tumor irressecável ou metástases a distância.14 Gupta et al. mostraram que a TC tem baixa sensibilidade (em torno de 20%) para detec¸cão de metástases linfonodais e baixa especificidade para metástases a distância.22 Portanto, embora a TC tenha sido usada como ferramenta de triagem para metástases regionais ou a distância em CCM, os dados que suportam sua aplica¸cão são limitados.14,22 O PET-CT tem sido amplamente estudado em pacientes com CCM.14 Colgan et al. avaliaram retrospectivamente 36 pacientes com CCM que realizaram exames de PET-CT antes da BLS e observaram 83% e 95% de sensibilidade e especificidade, respectivamente.23 Diagnóstico diferencial Clinicamente, os diagnósticos diferenciais para CCM são lesões benignas da pele, como cisto acneiforme, lipoma, dermatofibroma ou fibroma e lesão vascular. Lesões malignas representadas por câncer de pele não melanoma, linfoma cutâneo, carcinoma metastático e sarcoma também devem ser consideradas diagnósticos diferenciais.15 Histologicamente, o diagnóstico também pode ser um desafio, pois o CCM é semelhante a uma variedade de outros tumores que têm células azuis pequenas e 280
Anais Brasileiros de Dermatologia 2023;98(3):277- 286 Figura 3 Histopatologia do carcinoma de células de Merkel com colora¸cão Hematoxilina & eosina. (A) Cordões de células tumorais na derme (aumento de 200×). (B) As células tumorais apresentam citoplasma escasso e núcleos redondos ou irregulares (aumento de 400×). arredondadas, incluindo linfomas, melanoma amelanótico, metástases cutâneas de carcinoma de células pequenas de pulmão3 e outros carcinomas metastáticos (neuroblastoma, rabdomiossarcoma, tumor desmoplásico de pequenas células, condrossarcoma mesenquimal, sarcoma de Ewing e osteossarcoma).8 O CCM in situ, no qual as células neoplásicas são limitadas à epiderme e/ou epitélio folicular, pode ser confundido com carcinoma de células escamosas insitu,melanomainsituou outra neoplasia intraepidérmica pagetoide.20 Em decorrência dos aspectos morfológicos similares, o diagnóstico diferencial mais desafiador é o câncer de pulmão de pequenas células metastático3,8 que exige painel de marcadores imuno-histoquímicos para definir o diagnóstico. CK20 e o fator de transcri¸cão da tireoide 1 (TTF-1) têm maior sensibilidade e especificidade para excluir câncer de pulmão de pequenas células;8 CK20 é positivo em 70% a 100% do CCM e negativo em câncer de pulmão de pequenas células, enquanto TTF-1 é sempre negativo em CCM e positivo em mais de 80% dos cânceres de pulmão de pequenas células.3,8,14 Estadiamento A atual 8a edi¸cão do sistema de estadiamento do American Joint Committee on Cancer (AJCC) é baseada em uma análise atualizada de 9.387 casos de CCM do National Cancer Database, com acompanhamento médio de 28,2 meses (tabela 1).24 De acordo com o AJCC, os seguintes parâmetros são necessários para o estadiamento do CCM T: 1) diâmetro máximo do tumor medido clinicamente, antes da ressec¸cão e 2) extensão do tumor (fáscia, músculo, cartilagem ou invasão óssea).24 O diâmetro do tumor tem valor prognóstico, estando significantemente associado ao envolvimento de linfonodos, sobrevida doen¸ca-específica (SDE) e SG.14 O CCM é caracteristicamente um tumor agressivo e localmente invasivo, com alta incidência de recorrência local e envolvimento de linfonodos regionais.1 A BLS é importante ferramenta de estadiamento recomendada para todos os pacientes com linfonodo clinicamente negativo, sempre que possível, para realizar o estadiamento nodal patológico.14 De acordo com a 8a edi¸cão do sistema de estadiamento AJCC, as estimativas de SG de cinco anos para o estadiamento clínico e patológico da doen¸ca local foram 45,0% e 62,8% para o estádio I; 30,9% e 54,6% para o estádio IIA e 27,3% e 34,8% para o estádio IIB, respectivamente. A SG de cinco anos para o estádio IIIA revisado foi de 40,3%, enquanto para o estádio IIIB foi de 26,8%.24 Na doen¸ca em estádio IV, a taxa de sobrevida de dois anos é de apenas 26%.1 Sihto et al., em 2009, relataram que os CCM positivos para o poliomavírus apresentaram maior taxa de sobrevida em compara¸cão com os tumores negativos para esse vírus; a sobrevida em cinco anos foi de 45% vs. 13% (p-valor < 0,01), respectivamente.12 Tratamento Cirurgia para o tumor primário A cirurgia é a modalidade de tratamento inicial para a maioria dos casos de CCM. A defini¸cão das margens cirúrgicas ainda é um tema controverso.14 O objetivo do tratamento cirúrgico é uma margem histológica negativa e, em geral, a excisão cirúrgica com margens de 1 cm a 2 cm continua a ser o primeiro passo no manejo do tumor.25 Boyer et al. analisaram 45 pacientes com CCM em estádio I e relataram margem mediana de 16,7 mm de pele clinicamente normal necessária para a ausência de envolvimento histológico.26 Um estudo de 1.795 pacientes com CCM estádios I e II não mostrou diferen¸cas entre a excisão cirúrgica ampla e a cirurgia micrográfica de Mohs em rela¸cão à presen¸ca de tumor residual nas margens cirúrgicas, e nenhuma diferen¸ca na SG entre as duas modalidades de tratamento foi encontrada.27 As margens histologicamente negativas estão relacionadas ao melhor controle local e sobrevida, principalmente nos casos de doen¸ca localizada tratada apenas com cirurgia. Em todos os casos de tratamento cirúrgico, a BLS deve ser planejada antes da excisão definitiva, pois a cirurgia pode alterar a drenagem linfática.14 281
S.M. Siqueira, G. Campos-do-Carmo, A.L.S Santos et al. Tabela 1 Estadiamento do carcinoma de células de Merkel - AJCC 8a edi¸cão Estádio Tumor Primário Linfonodos Metástases 0 In situ (restrito à epiderme) Sem metástase para linfonodo regional Sem metástase a distância I Diâmetro clínico máximo do tumor ≤2 cm cN0, sem metástase para linfonodo regional na avalia¸cão clínica ou radiológica Sem metástase a distância pN0, sem metástase para linfonodo regional detectada na avalia¸cão histopatológica IIA Diâmetro clínico máximo do tumor > 2 cm cN0, sem metástase para linfonodo regional na avalia¸cão clínica ou radiológica Sem metástase a distância pN0, sem metástase para linfonodo regional detectada na avalia¸cão histopatológica IIB Tumor primário invade fáscia, músculo, cartilagem ou osso cN0, sem metástase para linfonodo regional na avalia¸cão clínica ou radiológica Sem metástase a distância pN0, sem metástase para linfonodo regional detectada na avalia¸cão histopatológica III (clínico) Tumor de qualquer tamanho, incluindo tumores invasivos e tumor primário desconhecido Metástase nodal regional clinicamente detectada, metástase em trânsito com ou sem metástase linfonodal Sem metástase a distância IIIA (patológico) Tumor de qualquer tamanho, incluindo tumores invasivos e tumor primário desconhecido Metástase nodal clinicamente oculta identificada apenas por BLS ou dissec¸cão de linfonodo Sem metástase a distância Metástase em linfonodo regional detectada clínica ou radiologicamente, confirmada patologicamente IIIB (patológico) Tumor de qualquer tamanho, incluindo tumores invasivos Metástase linfonodal regional detectada clínica ou radiologicamente, confirmada patologicamente, metástase em trânsitoa com ou sem metástase linfonodal IV Tumor de qualquer tamanho, incluindo tumores invasivos e tumor primário desconhecido Qualquer N Metástase além dos linfonodos regionais Fonte adaptada: Harms KL et al., 2016.24. a Metástase em trânsito: tumor distinto da lesão primária e localizado entre a lesão primária e os linfonodos regionais ou distal à lesão primária. Santamaria-Barria et al. elucidaram o papel da BLS no manejo do CCM em uma revisão de 161 pacientes, tendo identificado micrometástases em 1/3 deles.28 Assim, após verifica¸cão de margens livres e, se indicado BLS, o desafio é determinar se deve ou não oferecer tratamento adjuvante. Radioterapia A radioterapia (RT) tem papel importante no tratamento do CCM. O CCM é uma neoplasia radiossensível, e a RT pode ser considerada terapia primária em pacientes que não são candidatos à cirurgia.29,30 Embora a RT por si só seja inferior à ressec¸cão cirúrgica em razão do risco de recorrência de CCM a distância, ela pode ser usada quando a cirurgia é contraindicada31- 33 com bom controle locorregional e SG em cinco anos de até 40% a 60% em pacientes com metástases macroscópicas primárias e/ou nodais.33 Em rela¸cão a seu uso como terapia adjuvante, os dados são conflitantes. A RT adjuvante pós-operatória parece aumentar o controle local do tumor, mas não tem impacto significante na sobrevida global relacionada ao tumor.34,35 Em uma revisão com casos de CCM apenas de cabe¸ca e pesco¸co, a RT adjuvante apresentou benefício significante na sobrevida em rela¸cão à cirurgia sozinha, e a quimioterapia (QT) associada à RT ofereceu vantagem sobre a RT sozinha em casos de tumores grandes (> 3 cm) ou margens 282
Anais Brasileiros de Dermatologia 2023;98(3):277- 286 positivas.36 Uma análise retrospectiva de CCM estádios I a III mostrou baixa taxa de recorrência (3%) em pacientes com linfonodo clinicamente negativo tratados com cirurgia adequada (incluindo BLS) e o uso seletivo de RT adjuvante para tumores de alto risco, incluindo invasão linfovascular; segunda malignidade (leucemia/linfoma) no momento do diagnóstico, múltiplos linfonodos positivos e extensão extracapsular; tumores > 2 cm. Os autores também concluem que, com cirurgia adequada, é improvável que o uso rotineiro de RT local adjuvante seja benéfico para a grande maioria dos pacientes.37 Além disso, alguns dados sugeriram que a RT adjuvante pode ser omitida para aqueles com pequenos tumores primários (< 1 cm), margens cirúrgicas livres, BLS negativa e ausência de fatores de mau prognóstico, como invasão linfovascular e imunodeficiência.38 Uma análise retrospectiva de 46 casos de CCM de cabe¸ca e pesco¸co de baixo risco tratados entre 2006 e 2015 demonstrou que a não realiza¸cão da RT pós-operatória foi associada a risco significantemente maior de recorrência local (recorrência local em cinco anos de 26% no grupo tratado sem RT adjuvante versus 0% no grupo que recebeu RT adjuvante; p = 0,02). Os pacientes foram considerados de baixo risco em caso de tumor primário ≤ 2,0 cm de diâmetro, margens microscopicamente negativas na excisão cirúrgica, BLS negativa e ausência de imunossupressão crônica.39 Jouary Y et al. mostraram redu¸cão significante na recorrência local sem melhora da sobrevida global com RT adjuvante em estudo realizado antes da introdu¸cão da BLS no tratamento do CCM.40 Em uma coorte retrospectiva e não randomizada de 6.908 casos do National Cancer Database dos EUA, a RT adjuvante foi associada a melhora da sobrevida em pacientes com CCM localizado (estádios I e II) em compara¸cão com pacientes que passaram apenas pelo tratamento cirúrgico (estádio I: hazard ratio[HR = 0,71]; 95%IC 0,64%-0,80%; p < 0,001; estádio II: HR = 0,77; 95%IC 0,66%-0,89%; p < 0,001). No entanto, em pacientes com envolvimento nodal (estádio III), não houve diferen¸ca estatisticamente significante na SG entre os pacientes que tiveram cirurgia seguida de RT em compara¸cão com a cirurgia isolada (HR = 0,98; 95%IC 0,86%-1,12; p = 0,80).41 Em contraste, um estudo retrospectivo do Moffitt Cancer Center, avaliando 171 pacientes, encontrou melhora no controle locorregional e SG entre pacientes com linfonodos patologicamente ou clinicamente positivos tratados com RT pós-operatória. Nessa publica¸cão, os pacientes foram tratados com excisão local ampla (margens de 1-2 cm) e todos realizaram estadiamento nodal.42 Assim, o NCCN incluiu a RT como op¸cão de tratamento adjuvante para todos os estádios do CCM e, idealmente, deve ser realizada em quatro a seis semanas após a cirurgia, pois o atraso tem sido associado a piores desfechos.14 Tratamento sistêmico Quimioterapia O papel da QT adjuvante para o CCM é menos definido. Hasan et al. realizaram uma grande revisão sistemática e notaram que a RT adjuvante resultou em taxas de controle local em três anos significantemente maiores, taxas de recorrência diminuídas e taxas de SG melhores em três anos, enquanto a QT adjuvante não ofereceu nenhum benefício.43 Além disso, estudos adicionais sugerem que o efeito da QT adjuvante na recorrência não é claro ou que não há melhora significante na sobrevida quando comparada à RT adjuvante isolada.29,44,45 Por muitos anos, a QT foi a única op¸cão disponível como tratamento para a doen¸ca avan¸cada. O CCM é considerado tumor quimiossensível, e esquemas de platina com etoposídeo ou taxanos e antraciclinas isoladas ou em combina¸cão são inicialmente eficazes, com taxa de resposta de até 75%, mas geralmente a dura¸cão da resposta é curta, não resultando em benefício de sobrevida. A sobrevida livre de progressão (SLP) mediana varia de três a oito meses, e a dura¸cão da resposta parcial é de apenas três meses para a terapia de primeira linha.25,46 Dada a idade avan¸cada de muitos pacientes e suas comorbidades, a toxicidade da QT pode afetar gravemente a qualidade de vida. Imunoterapia As imunoterapias estão atualmente em foco, uma vez que foi descrita a importância do sistema imunológico no controle do CCM; os inibidores de PD-1 (programmed cell death 1) e PD-L1 (programmed cell death protein ligand 1) são op¸cões promissoras nos casos de doen¸ca metastática.21 As vias PD-1 e PD-L1/PD-L2 formam um sistema complexo de receptores e ligantes envolvidos no controle da ativa¸cão de células T. Na maioria dos tumores, PD-L1 é predominantemente expresso em células tumorais e PD-1 nos linfócitos que se infiltram no tumor.1 No entanto, o PD-1 pode ser expresso não apenas por linfócitos T CD8 + , mas também pelas células CD4 + , CD20 + , Treg e células NK.47 A liga¸cão entre PD-1 e seu ligante PD-L1 leva à inativa¸cão e diminui¸cão da prolifera¸cão de células T. Esse processo parece ser um mecanismo importante para a inibi¸cão da resposta imune pelo tumor.48 A associa¸cão da imunossupressão com o maior risco de CCM, além de alguns dados que mostram melhor prognóstico em tumores com alta infiltra¸cão de linfócitos T CD8 + , tornou-se uma justificativa para o uso da imunoterapia.15,49 Além disso, Lipson et al., em 2013, relataram associa¸cão significante entre a presen¸ca do MCPyV e a expressão de PD-L1 no tumor e entre a presen¸ca do MCPyV com um infiltrado inflamatório moderado a intenso. Esses achados sugerem a hipótese de que uma resposta imune a antígenos virais cria um ambiente pró-inflamatório local que estimula a expressão de PD-L1 no tumor.50 Essas descobertas abriram caminho para o uso de inibidores decheckpointimunes no MCC metastático. O primeiro estudo nesse cenário foi o JAVELIN Merkel 200, um ensaio clínico multicêntrico de fase II, aberto, que investigou a atividade clínica e a seguran¸ca de avelumabe, um anticorpo anti-PD-L1. O estudo apresenta parte A, realizado em pacientes com CCM previamente expostos à QT,51 e parte B, realizado em pacientes que não haviam recebido tratamento sistêmico prévio para doen¸ca metastática.52 Na parte A, 88 pacientes foram tratados com avelumabe e a taxa de resposta global confirmada (ORR) foi de 33% (incluindo 10 respostas completas) e com 26% dos pacientes sem progressão em dois anos. A dura¸cão 283
S.M. Siqueira, G. Campos-do-Carmo, A.L.S Santos et al. Tabela 2 Dados importantes de ensaios clínicos recentes envolvendo imunoterapia52,56- 58 Nome do estudo Classe de fármacos Tipo de estudo Número de pacientes TRG (%) SLP aos 24m (%) SG aos 24m (%) Referências Avelumabe Javelin 200 - Parte A Anti-PD-L1 2a linha ou linhas subsequentes 88 33 26 36 Kaufman 201857 Avelumabe Javelin 200 - Parte B Anti-PD-L1 1a linha 29 62 NR NR D’Angelo, 201852 Pembrolizumabe Keynote - 017 Anti-PD-1 1a linha 50 56 48,3 68,7 Nghiem, 201958 Nivolumabe CheckMate 358 Anti-PD-1 1a linha 15 71 NR NR Topalian, 201756 2a linha 10 63 TRG, taxa de resposta global; SLP, sobrevida livre de progressão; SG, sobrevida global; NR, não relatado. mediana da resposta não foi alcan¸cada, e a SG mediana foi de 12,6 meses.51 Uma resposta objetiva de 34,5% foi encontrada em PD-L1 positivo contra apenas 18,8% em pacientes PDL-1 negativos (expressão < 1%.) Considerando o corte na expressão de PD-L1 em 5%, 52,6% dos pacientes PD-L1 positivos versus 23,6% dos pacientes PD-L1 negativos tiveram resposta objetiva. Além disso, 26,1% dos pacientes com tumores MCPyV-positivos em compara¸cão com 35,5% nos tumores MCPyV-negativos tiveram resposta.53 Outra análise de subgrupo sugeriu maior probabilidade de resposta em pacientes que receberam menos terapias sistêmicas prévias, o que foi confirmado na parte B do ensaio Javelin Merkel 200. A resposta objetiva entre os 29 pacientes incluídos no cenário de primeira linha foi de 62%, com propor¸cão de respostas com dura¸cão de seis meses ou mais de 83%.52 Munhoz et al., em 2020, descreveram a experiência com avelumabe como tratamento de segunda linha (ou primeira linha em pacientes não candidatos ao uso de QT) em um subconjunto de 46 pacientes latino-americanos (idade média 71,6 anos; 60,9% homens; dura¸cão média do tratamento 7,9 meses). Respostas objetivas foram observadas em 19 pacientes (resposta objetiva 57,9%; resposta completa 15,8%; resposta parcial 42,1%; e doen¸ca estável 10,5%) e seguran¸ca consistente com dados globais.54 Outro estudo com características semelhantes demonstrou a eficácia do pembrolizumabe no CCM, um anticorpo monoclonal anti-PD-1. Um total de 50 pacientes com CCM avan¸cado foram tratados com resposta objetiva de 56% e taxa de SLP em seis meses de 67%. Em contraste com o estudo com avelumabe, uma taxa de resposta mais alta foi observada nos tumores positivos para MCPyV (62%) do que nos tumores negativos para MCPyV (44%).55 No estudo CheckMate 358, o nivolumabe, outro anti- -PD-1, foi avaliado em 25 pacientes com CCM avan¸cado, uma resposta objetiva de 64%. As respostas ocorreram em pacientes virgens de tratamento (71%), bem como naqueles com pelo menos uma terapia sistêmica anterior (63%), com tempo médio curto para resposta (75% dos pacientes responderam em dois meses).56 O resumo dos recentes estudos com imunoterapia para o tratamento do MCC metastático pode ser visto na tabela 2.52,56- 58 Dada a eficácia da imunoterapia para CCM metastático, o próximo desafio consiste em avaliar tais tratamentos no cenário adjuvante. Em razão do alto risco de recorrência do CCM, apesar do tratamento inicial e da falta de benefício do tratamento citotóxico, sua investiga¸cão é altamente relevante, cobrindo uma necessidade médica não atendida. Dois estudos de fase II com nivolumabe e avelumabe estão avaliando o uso de inibidores de checkpoints imunes para pacientes de alto risco, ainda sem os resultados oficialmente publicados. O cenário neoadjuvante com o estudo CheckMate 358, envolvendo 39 pacientes com CCM ressecável estágio IIA a IV, avaliou o uso do nivolumabe (≥1 dose) cerca de quatro semanas antes da cirurgia. Três pacientes não foram operados por progressão tumoral e 36 pacientes foram operados, dentre os quais 17 (42,2%) obtiveram resposta patológica completa. Entre 33 pacientes avaliáveis radiograficamente submetidos à cirurgia, 18 (54,5%) tiveram redu¸cão tumoral ≥30%. Nenhum paciente com resposta patológica completa teve recidiva tumoral durante a observa¸cão.59 Conclusão O CCM é doen¸ca rara e agressiva, cuja incidência está aumentando. Nas últimas décadas, muitos avan¸cos foram feitos no conhecimento da biologia, diagnóstico e tratamento do CCM, mas grandes desafios ainda permanecem. Os tumores primários devem ser tratados com excisão cirúrgica completa, com margens cirúrgicas adequadas. RT adjuvante deve ser considerada. Em rela¸cão ao CCM avan¸cado, a imunoterapia mudou drasticamente o padrão de tratamento, uma vez que é superior à QT. Notáveis respostas foram observadas em pacientes com CCM tratados com inibidores do eixo PD-1/PD-L1 e parece ser maneira promissora de mudar o prognóstico desse câncer de pele grave. Suporte financeiro Nenhum. Contribui¸cão dos autores Stella Meireles Siqueira: Análise estatística; elabora¸cão e reda¸cão do manuscrito; obten¸cão, análise e interpreta¸cão dos dados; participa¸cão intelectual em conduta 284
Anais Brasileiros de Dermatologia 2023;98(3):277- 286 propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura. Gabriella Campos-do-Carmo: Análise estatística; elabora¸cão e reda¸cão do manuscrito; obten¸cão, análise e interpreta¸cão dos dados; participa¸cão intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados. Alexssandra Lima Siqueira dos Santos: Análise estatística; elabora¸cão e reda¸cão do manuscrito; obten¸cão, análise e interpreta¸cão dos dados; participa¸cão intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura. Cícero Martins: Análise estatística; elabora¸cão e reda¸cão do manuscrito; obten¸cão, análise e interpreta¸cão dos dados; participa¸cão intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura. Andreia Cristina de Melo: Análise estatística; aprova¸cão da versão final do manuscrito; concep¸cão e planejamento do estudo; elabora¸cão e reda¸cão do manuscrito; obten¸cão, análise e interpreta¸cão dos dados; participa¸cão efetiva na orienta¸cão da pesquisa; participa¸cão intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito. Conflito de interesses Nenhum. Referências 1. Wehkamp U, Stern S, Krüger S, Weichenthal M, Hauschild A, Röcken C, et al. Co-expression of NGF and PD-L1 on tumor- -associated immune cells in the microenvironment of Merkel cell carcinoma. J Cancer Res Clin Oncol. 2018;144:1301- 8. 2. Toker C. Trabecular carcinoma of the skin. Archives of Dermatology. 1972;105:107- 10. 3. Harms PW, Harms KL, Moore PS, DeCaprio JA, Nghiem P, Wong MKK, et al. The biology and treatment of Merkel cell carcinoma: current understanding and research priorities. Nat Ver Clin Oncol. 2018;15:763- 6. 4. 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